100 Anos da Vila Guilherme

11-04-2013 18:11

 

100 Anos da Vila Guilherme

Por  | 11 setembro, 2012 as 10:49 am | 2 comentários

Algumas linhas sobre a história da Zona Norte Paulistana

 

Por José de Almeida Amaral Júnior

O Rio Tietê, inteiramente paulista, nasce em uma altitude de1027 mna Serra do Mar, região de Salesópolis, percorrendo então, de sudeste a noroeste, até sua foz no Rio Paraná,1136 quilômetros. Trajeto cheio de corredeiras, cachoeiras, afluentes e sinuosidades. Então, em um determinado momento deste roteiro, sua grandiosidade corta a cidade de São Paulo. Marcante presença. É verdade que ele na virada do século XIX para o XX ganhou projeção como local para lazer e recreação, com as pessoas fazendo piquenique, nadando e até competindo em suas águas, mas, é inquestionável que a região mais ao norte, o ‘lado de lá’ do Tietê, permaneceu num certo isolamento em relação ao restante da cidade. A chamada Ponte Grande – que na verdade não foi apenas uma, mas várias – que passava sobre o Tietê desde o século XVII, teve que ser reconstruída muitas vezes devido sua precariedade. Feitas de madeira, apodreciam com o tempo e as enchentes do rio não eram fáceis. A última Ponte Grande ficava na altura da atual Ponte das Bandeiras, reinaugurada na gestão de Prestes Maia, em 1942. Era rumo obrigatório para quem do centro sul da cidade se destinava ao Vale do Paraíba, a Minas por Taubaté e ao Rio de Janeiro, após passar pela Ponte Pequena, que ficava sobre o rio Tamanduateí.

A margem direita do Tietê era famosa por suas chácaras. Um pedaço que mantinha certo aspecto interiorano, se confrontado com a região mais perto do Centro Velho. É sabido que desde o século XVI a região dedicou-se ao cultivo de verduras, legumes, frutas e mandiocas que eram vendidos na cidade. No final do século XIX foi construído o Parque da Cantareira, para preservação de 5600 h de reserva florestal e, logo mais abaixo, foi inaugurado o Horto Florestal, áreas verdes que confirmavam assim as características da zona norte da cidade, cheias de aves, macacos, esquilos, antas, tatus e capivaras. Um famoso trenzinho, desativado em 1957, partia da Rua 25 de Março indo até o Parque. Foram 63 anos de serviços prestados para uma população que se deliciava com os diferentes cenários apresentados pela cidade que crescia, contudo, mantinha um recanto mais próximo à natureza.

Santana é um dos mais antigos e importantes bairros dessa região norte. A chamada Fazenda de Sant’Anna pertencia originalmente a Companhia de Jesus. Com a saída dos jesuítas, foi administrada pelo governo da capitania e ganhou acentuada presença militar. Dado o processo de urbanização e a grande dimensão territorial, durante o século XIX foi dividida em sesmarias para usufruto de outros. Para se ter uma idéia, consta que a propriedade ia da região do Convento da Luz até as proximidades de Mairiporã. No ano de 1887 havia já 130 pessoas vivendo em Santana. O Parque da Cantareira e seu ‘Tramway’, além das ofertas dos terrenos, aos poucos chamavam a atenção das pessoas para a colonização daquele pedaço afastado. Desta forma, bairros iam surgindo, segundo as regras administrativas municipais que se adaptavam aos novos tempos. Entre eles, a hoje centenária Vila Guilherme. A Vila Guilherme é, assim, o resultado de divisões, vendas, compras e arrendamentos das terras na parte norte da cidade. Uma região ‘do outro lado do grande Tietê’.

Nos desdobramentos na virada do século XIX para o XX, o Barão de Ramalho deixou terras no ‘além Tietê’ para a filha, dona Joaquina Ramalho Pinto. Esta negociou a propriedade de2760 m²com o empreendedor Guilherme Praun da Silva, um irrequieto carioca nascido em Petrópolis. Fundava-se, então, o vilarejo em 12 de Setembro de 1912.

Guilherme, pensando em dinamizar sua propriedade, resolveu convocar mão de obra para o trabalho. E escolheu, especialmente, a comunidade portuguesa, em fluxo de imigração para o Brasil no momento. Percebia naquela gente determinação e honestidade, além de traquejo com atividades rurais, pois muitos vinham de aldeias interioranas na Europa. Calcula-se que a imigração portuguesa para o país entre os anos de 1901 – 30 passou dos 754 mil indivíduos. A memória local registra Guilherme indo de charrete fazer suas cobranças, de posse de uma caderneta, postergando o fato quando o devedor estivesse em dificuldades, angariando com isso simpatia dos moradores.

Chácaras a preços reduzidos foram oferecidas. E atividades agrárias se iniciaram, juntamente com carvoaria, olaria, extração de areia para edificação, produção de leite, entre outras. Um dos elementos mais importantes foi a construção de uma ponte, em direção à divisa dos distritos do Belém e Pari. No início dos anos 1920 timidamente a luz elétrica chegava ao pedaço, dando um pouco mais de conforto aos moradores, que paulatinamente viam aparecer grupo escolar, delegacia de polícia e farmácia, entre outros benefícios.

Devoto de São Sebastião, por ter nascido no dia do santo, construiu uma capela que se tornou mais tarde paróquia, sendo um dos pontos de concentração das atividades religiosas e de lazer dos moradores desde o princípio dos anos 1920. Posteriormente, a Igreja de N. Senhora da Anunciação, na rua Maria Cândida, igualmente faria grande papel nas atividades comunitárias.

Importante comerciante na área foi também João Veloso, proprietário de lotes onde atualmente é a av. Guilherme e a av. Nadir Dias de Figueiredo, ladeando a Sociedade Paulista de Trote, este um dos marcos do bairro. Especial local para os apaixonados por equitação, hoje transformada em parque municipal, totalmente adaptado para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. É onde se realiza anualmente um dos maiores eventos folclóricos do país, o “Revelando São Paulo”, produzido pela Abaçaí em parceria com o governo do Estado paulista.

Além do Trote e dos vários bons times de várzea, afinal, campos para a prática do futebol não faltavam, a Vila Guilherme era conhecida na cidade pelo Zoológico do Agenor, que na verdade ficava na Vila Maria, pois se localizava na Rua do Imperador, esquina com Rua Ernani Pinto, lado já do bairro vizinho. Inaugurado em 1942, fechou em 1975 com o falecimento do Sr. Agenor, num acidente com uma elefanta que rendeu grande repercussão na mídia. Foi o segundo zôo da cidade, antecedido pelo da Aclimação, inaugurado no final do século XIX. Outro aspecto interessante na divulgação do bairro foi a televisão. Na rua Dona Santa Veloso, 575, foram instalados a partir de 1967 os teatros da TV Excelsior e, depois, SBT, em meados dos anos 70, onde eram gravados boa parte dos programas do canal até o final da década de 1990, quando se mudou para a Via Anhanguera.

A Vila Guilherme, assim, bem como Vila Maria, não se beneficiaram do ‘Tramway’ da Cantareira e tão pouco da Ponte Grande, como a região de Santana. Por isso, seu desenvolvimento foi diferenciado. E suas linhas de ônibus privilegiaram o Belém, o Pari, o Brás e o Centro.

Aos poucos, no entanto, com a ampliação da ponte da Vila Guilherme, a partir dos anos 70 sente-se que o fluxo de transformações passa a se acelerar. É o chamado progresso. Nota-se que ao longo dos anos 1980 é bem menor o número de crianças jogando bola pelas ruas, tendo em vista a maior movimentação de carros pelas vias públicas. Muros vão ganhando altura, incluindo a proliferação de grades. Casas de generosos terrenos, com pomares e jardins, vão dando espaço para prédios de apartamentos. A Avenida Joaquina Ramalho se firma como região de comércio de veículos. Grandes supermercados chegam, assim como a Rodoviária do Tietê, o Shopping Center Norte e faculdades. A especulação imobiliária valoriza as áreas com a construção de edifícios. Resta bem pouco do passado valente dos primeiros moradores cheios de sonhos e tarefas a serem cumpridas naquele ‘interior’ de São Paulo que vira e mexe era encharcado pelas cheias. E são bem outras as periferias desta metrópole agora.

A Vila Guilherme tornou-se em 20 de maio de 1992 distrito municipal. No mapa administrativo ele agrega os seguintes bairros vizinhos: Coroa, Jardim Coroa, Carandiru, Vila Pizzotti, Jardim da Divisa, Vila Bariri, Vila Leonor, Vila Eleonora, Vila Paiva, Vila Santa Catarina, Chácara Cuoco, Vila Isolina, Vila Isolina Mazzei e Vila Guilherme.

 

 

Em 2002 o bairro foi homenageado com o livro “São Sebastião e a Vila Guilherme – Memórias Paulistanas da Zona Norte”, por Benedita Conceição C. Silva e José de Almeida Amaral Júnior, publicado pela Câmara Sócio-Cultural da Zona Norte de São Paulo. Neste 2012, em seu centenário de fundação, ganhou de presente o filme, premiado no concurso “História dos Bairros de São Paulo”, documentário intitulado “Vila Guilherme – Do Pombo-Correio ao E-mail”, com direção, roteiro e edição de Rodrigo Gontijo para a TV PUCSP, lembrando causos e aspectos pitorescos da região.

E a marcha do tempo prossegue seu ritmo. Tomara que nos próximos 100 anos as condições de vida dos habitantes de Vila Guilherme sejam aperfeiçoadas com o resgate de seu verde, passarinhos e tranqüilidade que marcaram suas origens, como vizinha de profundos vínculos com o grande Rio Tietê, quem sabe também novamente limpo, como naqueles tempos de outrora da zona norte paulistana.

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.